sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Penumbra



O cômodo está escuro. Através da janela, nota-se que a noite cai. O céu, que, outrora mostrara o vasto poder do grande astro de nosso sistema, agora, rende-se à escuridão. Talvez a lua não venha amenizá-la. Há nuvens espessas lá no alto. Os olhos, aos poucos, vão se acostumando à penumbra. Não há a necessidade de contrariar aquele estado, não há razão para ter medo do escuro quando tudo o que se tem é uma garrafa de vinho e uma cabeça cheia de pensamentos embaralhados. A solução para eles não será encontrada sob a penumbra, decerto, mas também não será encontrada sob a iluminação artificial. Talvez pela necessidade de escondê-los, de não encará-los. As sombras amenizam os reflexos de tais pensamentos.


A solidão, tantas vezes repulsiva e repudiada, é almejada agora. Ninguém para apontar os erros, ninguém para dizer que já havia avisado sobre as consequências daqueles atos impensáveis, os quais alguém jurou que resultariam em coisas agradáveis desta vez, diferente das milhões de vezes anteriores. Quantas vezes esses atos foram e serão repetidos? Dane-se.
A música, nos ouvidos, transporta para aqueles momentos que resultaram em dores, mas que valeram cada segundo gasto com eles. Além disso, ela faz com que alguém desista de dar início a uma conversa qualquer, já que nenhum barulho lá de fora é audível agora.

Eu me rendo. Encontro-me sem forças para lutar contra qualquer sentimento de fraqueza, de cansaço. Não quero mais ter de lutar. Quero desistir, continuar imóvel e simplesmente não ter nada por que esperar. Talvez seja mais fácil, pelo menos, agora. Cansei de me mostrar forte, quero deixar minhas necessidades à mostra, ao invés de reprimi-las.

Meus pés acompanham cada batida daquela música, a qual  já até perdi a conta de quantas vezes fora repetida seguidamente... Fecho os olhos, e tais momentos não mais parecem ter se passado há meses ou, quem sabe, há anos, eles estão vívidos, como se estivessem todos acontecendo neste exato momento, em minha mente.

Após alguns copos de vinho, cheguei ao estado em que eu queria. Então deixo o momento fluir...

Então ele entra no cômodo e eu finjo que não vi. Ele senta-se ao meu lado e me beija. E eu não faço nenhum esforço para resistir. Não quero. Não mais. Logo ele me tem, logo consegue o quer, logo me domina... e, logo, suas mãos sedentas me exploram, procurando saciar-se...
O álcool faz-me dizer e fazer tudo o que a sobriedade não permite... Faz-me fantasiar a realidade e tornar fatos reais em fantasia... Já não conseguia enxergar a linha tênue que separa fato e ficção... O que sei é que aquele momento não era mais exclusivamente meu.

Nós dois sob a penumbra que enegrecia cada vez mais aquele quarto... Nós dois e uma garrafa de vinho, que, rapidamente, se esvaziava... Nós dois e aquela música que nos transportava para aqueles momentos que nos trouxeram dores, mas que valeram a pena... Nós dois e nossos pensamentos embaralhados, os quais... onde estavam mesmo?

Gritos (Gritos?)... Vozes alteradas (VozES? Alteradas?)... Carícias (Carícias?)... Beijos (Beijos?)... Nudez (Nudez?)...

- Foi real? Ou foi um reflexo dos meus desejos reprimidos que foram trazidos à tona pelo álcool?

 Foram as questões que tomaram meus pensamentos, ao abrir os olhos e notar que continuava sozinha, sob a escuridão de meu quarto, observando as gotas de chuva escorrendo pela janela...




- Escrito ao som de Liquid View (Trail of Tears).

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